Publicado em: 12/05/2021 13:54:00
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Sinto-me feliz por retomar este encontro face a face, pois digo-vos uma coisa: não é agradável falar em frente de nada, em frente de uma câmara. Não é agradável. E agora, depois de tantos meses, graças à coragem de monsenhor Sapienza – que disse: “Não, façamo-la ali” – estamos aqui reunidos. Muito bem, monsenhor Sapienza! Encontrar o povo, encontrar-vos, cada um com a própria história, pessoas que vêm de todas as partes, da Itália, dos Estados Unidos, da Colômbia, depois aquela pequena equipa de futebol de quatro irmãozinhos suíços – penso – estão ali... quatro. Falta a irmãzinha, esperemos que ela chegue... E ver cada um de vós dá-me prazer, porque somos todos irmãos no Senhor e olhar uns para os outros ajuda-nos a rezar uns pelos outros. Até as pessoas que estão longe, mas que se fazem sempre próximas. A sœur Geneviève, que não pode faltar, que vem dum Parque diversões, pessoas que trabalham: são muitas e estão todas aqui. Obrigado pela vossa presença e pela vossa visita. Levai a mensagem do Papa a todos. A mensagem do Papa é que rezo por todos, e peço que rezeis por mim unidos em oração.
E por falar em oração, a oração cristã, como toda a vida cristã, não é um “passeio”. Nenhum dos grandes orantes que encontramos na Bíblia e na história da Igreja teve uma oração “confortável”. Sim, podemos rezar como os papagaios – blá-blá-blá – mas isto não é oração. A oração certamente concede uma grande paz, mas através de uma luta interior, por vezes dura, que pode acompanhar até longos períodos da vida. Rezar não é algo fácil e por isso fugimos da oração. Cada vez que a queremos fazer, de repente lembramos de outras atividades, que naquele momento parecem mais importantes e urgentes. Isto acontece também a mim: vou rezar um pouco… E não, devo fazer isto e aquilo… Fugimos da oração, não sei porquê, mas é assim. Quase sempre, depois de termos adiado a oração, percebemos que aquelas coisas não eram absolutamente essenciais, e que talvez tenhamos desperdiçado tempo. O Inimigo engana-nos deste modo.
Todos os homens e mulheres de Deus relatam não só a alegria da oração, mas também o desconforto e o cansaço que ela pode provocar: por vezes é uma luta difícil respeitar os tempos e as formas de oração. Alguns santos levaram-na a cabo durante anos sem experimentar qualquer gosto por ela, sem se aperceberem da sua utilidade. O silêncio, a oração e a concentração são exercícios difíceis, e por vezes a natureza humana rebela-se. Preferiríamos estar em qualquer outra parte do mundo, mas não ali, naquele banco de igreja a rezar. Quem quiser rezar deve lembrar-se de que a fé não é fácil, e por vezes procede na quase total obscuridade, sem pontos de referência. Há momentos da vida de fé que são obscuros e por isso alguns Santos definiu-os: “A noite escura”, pois não se sente nada. Mas eu continuo a rezar.
O Catecismo enumera uma longa lista de inimigos da oração, aqueles que tornam difícil rezar, que põem dificuldades (cf. nn. 2726-2728). Alguns duvidam que a oração possa realmente alcançar o Todo-Poderoso: por que permanece Deus em silêncio? Se Deus é Omnipotente, poderia dizer duas palavras e pôr fim à história. Perante a intangibilidade do divino, outros suspeitam que a oração é uma mera operação psicológica; algo que pode ser útil, mas que não é verdadeiro nem necessário: poder-se-ia até ser praticante sem ser crente. E assim por diante, muitas explicações.
Contudo, os piores inimigos da oração estão dentro de nós. O Catecismo chama-os assim: «desânimo na aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos “muitos bens”, decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração» (n. 2728). Trata-se claramente de uma lista sumária, que poderia ser aumentada.
O que fazer no tempo da tentação, quando tudo parece vacilar? Se olharmos para a história da espiritualidade, vemos imediatamente que os mestres da alma foram muito claros sobre a situação que descrevemos. Para a superar, cada um deles ofereceu alguma contribuição: uma palavra de sabedoria, ou uma sugestão para enfrentar tempos carregados de dificuldades. Não se trata de teorias elaboradas, não, mas de conselhos nascidos da experiência, que mostram a importância de resistir e perseverar na oração.
Seria interessante rever pelo menos alguns destes conselhos, porque cada um deles merece ser estudado em profundidade. Por exemplo, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola são um livrete de grande sabedoria, que ensina como pôr a vida em ordem. Faz-nos compreender que a vocação cristã é militância, é decisão de estar sob a bandeira de Jesus Cristo e não sob a do diabo, procurando praticar o bem até quando se torna difícil.
Nos tempos de provação é bom lembrar que não estamos sozinhos, que alguém olha para nós e nos protege. Até Santo António Abade, fundador do monaquismo cristão, enfrentou momentos terríveis no Egito, quando a oração se tornou uma dura luta. O seu biógrafo Santo Atanásio, Bispo de Alexandria, narra que um dos piores episódios aconteceu ao Santo eremita por volta dos trinta e cinco anos, a meia-idade que para muitas pessoas comporta uma crise. António ficou perturbado com aquela provação, mas resistiu. Quando finalmente voltou a sentir-se sereno, dirigiu-se ao seu Senhor com um tom quase de reprovação: «Onde estavas? Por que não vieste imediatamente para pôr fim aos meus sofrimentos?». E Jesus respondeu: «António, eu estava lá. Mas esperava para te ver combater» (Vida de António, 10). Lutar na oração. E muitas vezes a oração é uma luta. Lembro-me de algo que vivi de perto, quando estava na outra diocese. Havia um casal que tinha uma filha de nove anos com uma doença que os médicos não sabiam o que era. E finalmente, no hospital, o médico disse à mãe: “Senhora, chame o seu marido”. E o marido estava no trabalho; eram operários, trabalhavam todos os dias. E disse ao pai: “O bebé não vai superar a noite. É uma infeção, não há nada que podemos fazer”. Aquele homem, talvez não fosse à missa todos os domingos, mas tinha uma grande fé. Saiu a chorar, deixou a sua esposa com a criança no hospital, apanhou o comboio e fez a viagem de setenta quilómetros até à Basílica de Nossa Senhora de Luján, Padroeira da Argentina. E lá – a Basílica já estava fechada, eram quase dez horas da noite – ele agarrou-se às grades da Basílica e rezou toda a noite a Nossa Senhora, lutando pela saúde da sua filha. Isto não é uma fantasia; eu vi-o! Eu vivi isto. Aquele homem ali a lutar. No final, às seis horas da manhã, a igreja abriu-se e ele entrou para saudar Nossa Senhora: toda a noite “lutou”, e depois foi para casa. Quando chegou, procurou a sua esposa, mas não a encontrou, e pensou: “Ela foi embora. Não, Nossa Senhora não me pode fazer isto”. Depois encontrou-a, sorrindo e dizendo: “Mas não sei o que aconteceu; os médicos dizem que a situação mudou e agora está curada”. Aquele homem que lutava com a oração obteve a graça de Nossa Senhora. Nossa Senhora ouviu-o. E eu vi isto: a oração faz milagres, porque a oração vai direta ao centro da ternura de Deus que nos ama como um pai. E quando Ele não nos concede uma graça, dar-nos-á outra que veremos a seu tempo. Mas é sempre preciso lutar em oração para pedir uma graça. Sim, por vezes pedimos uma graça de que precisamos, mas pedimo-la assim, sem querer, sem lutar; não é assim que se pedem coisas sérias. A oração é uma batalha e o Senhor está sempre connosco.
Se num momento de cegueira não conseguirmos vislumbrar a sua presença, consegui-lo-emos no futuro. Também nós um dia poderemos repetir a frase que o patriarca Jacob disse certa vez: «Em verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!» (Gn 28, 16). No final da nossa vida, olhando para trás, também nós poderemos dizer: “Pensava que estava sozinho; não, não estava: Jesus estava comigo”. Todos poderemos dizer isto.