Publicado em: 30/06/2022 14:20:00
Estimados irmãos e irmãs, bem-vindos e bom dia!
No nosso percurso de catequeses sobre a velhice, hoje meditemos sobre o diálogo entre Jesus ressuscitado e Pedro, na conclusão do Evangelho de João (21, 15-23). É um diálogo comovedor, do qual transparecem todo o amor de Jesus pelos seus discípulos e também a sublime humanidade da sua relação com eles, em particular com Pedro: uma relação terna, mas não insípida, direta, forte, livre, aberta. Uma relação de homens na verdade. Assim o Evangelho de João, tão espiritual, tão excelso, fecha-se com um pungente pedido e oferta de amor entre Jesus e Pedro, que se entrelaça de modo totalmente natural com um debate entre eles. O Evangelista adverte-nos: ele dá testemunho da verdade dos acontecimentos (cf. Jo 21, 24). E é neles que se deve procurar a verdade.
Podemos perguntar-nos: somos capazes de preservar o teor desta relação de Jesus com os discípulos, de acordo com aquele seu estilo tão aberto, tão franco, tão direto, tão humanamente real? Como é a nossa relação com Jesus? É como aquela dos apóstolos com Ele? Não somos, ao contrário, muitas vezes tentados a encerrar o testemunho do Evangelho no casulo de uma revelação “adocicada”, à qual acrescentar a nossa veneração de circunstância? Esta atitude, que parece respeito, afasta-nos realmente do verdadeiro Jesus e torna-se até ocasião para um caminho de fé muito abstrato, muito autorreferencial, muito mundano, que não é o caminho de Jesus. Jesus é o Verbo de Deus que se fez homem, e Ele comporta-se como homem, fala como homem, Deus-homem. Com ternura, amizade, proximidade. Jesus não é como aquela imagem adocicada dos santinhos, não: Jesus está à mão, está próximo de nós.
Durante o debate de Jesus com Pedro, encontramos duas passagens que tratam precisamente da velhice e da duração do tempo: o tempo do testemunho, o tempo da vida. A primeira passagem é a admoestação de Jesus a Pedro: quando eras jovem, eras autossuficiente, quando fores velho já não serás tão senhor de ti mesmo e da tua vida. Dizei-o a mim que devo estar na cadeira de rodas! Mas é assim, a vida é assim: com a velhice vêm-te todas estas doenças e devemos aceitá-las como são, não é verdade? Não temos a força dos jovens! E até o teu testemunho – diz Jesus – e será acompanhado por esta debilidade. Deves ser testemunha de Jesus até na debilidade, na doença e na morte. Há um texto bonito de Santo Inácio de Loyola que reza: “Assim como na vida, também na morte devemos dar testemunho como discípulos de Jesus”. O fim da vida deve ser um fim de vida como discípulos: discípulos de Jesus, pois o Senhor nos fala sempre segundo a idade que temos. O Evangelista acrescenta o seu comentário, explicando que Jesus aludia ao testemunho extremo, do martírio e da morte. Mas podemos compreender de modo mais genérico o sentido desta admoestação: o teu seguimento deverá aprender a deixar-se instruir e plasmar pela tua fragilidade, pela tua impotência, pela tua dependência de outros, até para te vestires, para caminhar. Mas tu, «segue-me» (v. 19). O seguimento de Jesus continua com boa saúde, sem boa saúde, com autossuficiência, sem autossuficiência física, mas o seguimento de Jesus é importante: seguir Jesus sempre, a pé, de corrida, lentamente, de cadeira de rodas, mas segui-lo sempre. A sabedoria do seguimento deve encontrar o caminho para permanecer na sua profissão de fé – assim responde Pedro: «Senhor, Tu sabes que te amo» (vv. 15.16.17) – até nas condições limitadas da fraqueza e da velhice. Gosto de falar com os idosos, fitando os seus olhos: têm olhos brilhantes, que te falam mais do que palavras, o testemunho de uma vida. E isto é bonito, devemos conservá-lo até ao fim. Seguir Jesus deste modo, cheios de vida!
Esta conversa entre Jesus e Pedro contém um ensinamento precioso para todos os discípulos, para todos nós, crentes. E também para todos os idosos. Aprender da nossa fragilidade a expressar a coerência do nosso testemunho de vida nas condições de uma existência amplamente confiada a outros, em grande parte dependente da iniciativa de outros. Com a doença, com a velhice, a dependência aumenta e já não somos autossuficientes como antes; aumenta a dependência dos outros e também ali amadurece a fé, também ali Jesus está connosco. Também ali brota aquela riqueza da fé bem vivida durante o percurso da vida.
Mas devemos interrogar-nos mais uma vez: será que dispomos de uma espiritualidade realmente capaz de interpretar a fase – já longa e generalizada - deste tempo da nossa fraqueza confiada a outros, mais do que ao poder da nossa autonomia? Como permanecer fiéis ao seguimento vivido, ao amor prometido, à justiça procurada no tempo da nossa capacidade de iniciativa, no tempo da fragilidade, no tempo da dependência, da despedida, no tempo de se afastar do protagonismo da nossa vida? Não é fácil afastar-se do ser protagonista, não é fácil!
Sem dúvida, esta nova época é também um tempo de provação. Começando pela tentação - muito humana, indubitavelmente, mas também muito insidiosa - de preservar o nosso protagonismo. E às vezes o protagonista deve diminuir, deve abaixar-se, aceitar que a velhice te abaixe como protagonista. Mas terás outro modo de te exprimires, outra maneira de participar na família, na sociedade, no grupo de amigos. E é a curiosidade que Pedro sente: “E ele?”, diz Pedro, vendo o discípulo amado que os seguia (cf. vv. 20-21). Meter o nariz na vida dos outros. E não: Jesus diz: “Cala-te”. Deve realmente estar no “meu” seguimento? Deve porventura ocupar o “meu” espaço? Será o “meu” sucessor? São perguntas que não são úteis, que não ajudam. Deverá durar mais do que eu e ocupar o meu lugar? E a resposta de Jesus é franca e até rude: «Que te importa? Segue-me!» (v. 22). Como se dissesse: ocupa-te da tua vida, da tua situação atual e não metas o nariz na vida dos outros. Tu, segue-me. Isto sim, é importante: o seguimento de Jesus, seguir Jesus na vida e na morte, na saúde e na doença, na vida quando é próspera com tantos sucessos e também na vida difícil, com muitos momentos negativos de queda. E quando queremos intrometer-nos na vida dos outros, Jesus responde: “Que te importa? Segue-me”. Muito bem! Nós, idosos, não deveríamos ter inveja dos jovens que percorrem o seu caminho, que ocupam o nosso lugar, que duram mais do que nós. A honra da nossa fidelidade ao amor jurado, a fidelidade ao seguimento da fé que acreditamos, até nas condições que nos aproximam mais da despedida da vida, são o nosso título de admiração pelas gerações vindouras e de reconhecimento grato da parte do Senhor. Aprender a despedir-se: esta é a sabedoria dos idosos. Mas despedir-se bem, com o sorriso; aprender a despedir-se na sociedade, a despedir-se com os outros. A vida do ancião é uma despedida lenta, lenta, mas uma despedida jubilosa: vivi a vida, conservei a minha fé. Isto é bonito, quando um idoso pode dizer assim: “Vivi a vida, esta é a minha família; vivi a vida, fui pecador, mas também pratiquei o bem”. E a paz que nasce é a despedida do idoso.
Até o seguimento forçosamente inativo, feito de contemplação emocionada e de escuta arrebatada da palavra do Senhor - como a de Maria, irmã de Lázaro – será a melhor parte da sua vida, da nossa vida de idosos. Que esta parte nunca nos seja tirada, nunca (cf. Lc 10, 42). Olhemos para os idosos, olhemos para eles e ajudemo-los a fim de que possam viver e exprimir a sua sabedoria de vida, que possam dar-nos o que têm de mais bonito e bom. Olhemos para eles, escutemo-los. E nós, idosos, olhemos para os jovens sempre com um sorriso: eles seguirão o caminho, levarão em diante o que semeamos, inclusive o que não semeamos, porque não tivemos a coragem nem a oportunidade: eles levá-lo-ão em frente. Mas sempre esta relação de reciprocidade: um idoso não pode ser feliz sem olhar para os jovens e os jovens não podem ir em frente na vida sem olhar para os idosos. Obrigado!