Publicado em: 10/03/2021 11:27:00
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Nos últimos dias, o Senhor concedeu-me visitar o Iraque, realizando um projeto de São João Paulo II. Nunca antes um Papa tinha estado na terra de Abraão; a Providência quis que isto acontecesse agora, como sinal de esperança, após anos de guerra e terrorismo e durante uma dura pandemia.
Depois desta Visita, a minha alma está cheia de gratidão. Gratidão a Deus e a todos aqueles que a tornaram possível: ao Presidente da República e ao Governo do Iraque; aos Patriarcas e Bispos do país, com todos os ministros e fiéis das respetivas Igrejas; às Autoridades religiosas, começando pelo Grão-Aiatolá Al-Sistani, com quem tive um encontro inesquecível na sua residência em Najaf.
Experimentei o forte sentido penitencial desta peregrinação: não podia aproximar-me daquele povo martirizado, daquela Igreja mártir, sem carregar, em nome da Igreja católica, a cruz que eles carregam há anos; uma grande cruz, como aquela colocada à entrada de Qaraqosh. Senti-o de forma particular quando vi as feridas ainda abertas da destruição, e ainda mais quando conheci e ouvi as testemunhas que sobreviveram à violência, à perseguição e ao exílio... E ao mesmo tempo vi ao meu redor a alegria de acolher o mensageiro de Cristo; vi a esperança de se abrir a um horizonte de paz e fraternidade, resumida nas palavras de Jesus, que foram o lema da Visita: «Sois todos irmãos» (Mt 23, 8). Vi esta esperança no discurso do Presidente da República, encontrei-a em muitas saudações e testemunhos, nos cânticos e nos gestos das pessoas. Li-a nos rostos luminosos dos jovens e no olhar vivaz dos idosos. Gente que esperava o Papa há cinco horas, em pé… inclusive mulheres com os filhos no colo… aguardavam, e nos seus olhos havia esperança.
O povo iraquiano tem o direito de viver em paz, tem o direito de voltar a encontrar a dignidade que lhe pertence. As suas raízes religiosas e culturais são milenares: a Mesopotâmia é berço de civilização; na história, Bagdad foi uma cidade de importância primordial, que durante séculos albergou a biblioteca mais rica do mundo. E o que a destruiu? A guerra. A guerra é sempre o monstro que, na medida em que os tempos mudam, se transforma e continua a devorar a humanidade. Mas a resposta à guerra não é outra guerra, a resposta às armas não são outras armas. E perguntei-me: quem vendia as armas aos terroristas? Quem vende hoje as armas aos terroristas, que estão a perpetrar massacres noutras partes, pensemos na África por exemplo? É uma pergunta à qual gostaria que alguém respondesse. A resposta não é a guerra mas a resposta é a fraternidade. Eis o desafio para o Iraque, mas não só: é o desafio para muitas regiões de conflito e, definitivamente, é o desafio para o mundo inteiro: a fraternidade. Seremos capazes de fazer fraternidade entre nós, de fazer uma cultura de irmãos? Ou continuaremos com a lógica iniciada por Caim, a guerra? Irmandade, fraternidade.
Por isso, cristãos e muçulmanos, encontrámo-nos e rezámos com representantes de outras religiões em Ur, onde Abrão recebeu a chamada de Deus há cerca de quatro mil anos. Abrão é pai na fé porque ouviu a voz de Deus que lhe prometia uma descendência, deixou tudo e partiu. Deus é fiel às suas promessas e ainda hoje guia os nossos passos de paz, orienta os passos daqueles que caminham na Terra com o olhar voltado para o Céu. E em Ur, enquanto estávamos juntos sob aquele céu luminoso, o mesmo céu em que o nosso pai Abrão viu a nós, sua descendência, no nosso coração parecia ressoar esta frase: Sois todos irmãos.
Uma mensagem de fraternidade emanou do encontro eclesial na Catedral sírio-católica de Bagdad, onde em 2010 quarenta e oito pessoas, incluindo dois sacerdotes, foram assassinadas durante a celebração da Missa. A Igreja no Iraque é uma Igreja mártir e naquele templo, que tem inscrita na pedra a memória daqueles mártires, ressoou a alegria do encontro: o meu entusiasmo por estar no meio deles fundia-se com a sua alegria de ter consigo o Papa.
Transmitimos uma mensagem de fraternidade de Mossul e de Qaraqosh, na margem do rio Tigre, próximo das ruínas da antiga Nínive. A ocupação do Ei provocou a fuga de milhares de habitantes, entre os quais muitos cristãos de diferentes Confissões e de outras minorias perseguidas, especialmente os yazidis. A antiga identidade daquelas cidades foi destruída. Agora, com grande dificuldade, procura-se reconstruir; os muçulmanos convidam os cristãos a regressar e, juntos, restauram igrejas e mesquitas. Fraternidade é isto. E continuemos, por favor, a rezar por estes nossos irmãos e irmãs tão provados, para que tenham a força de recomeçar. E pensando nos numerosos emigrantes iraquianos, gostaria de lhes dizer: deixastes tudo, como Abrão; como ele, mantende a fé e a esperança, e sede tecelões de amizade e de fraternidade onde quer que estejais. E, se podeis, regressai.
Uma mensagem de fraternidade emanou das duas Celebrações eucarísticas: a de Bagdad, em rito caldeu, e a de Erbil, a cidade onde fui recebido pelo Presidente da região e pelo seu Primeiro-Ministro, pelas Autoridades – agradeço a quantos me vieram receber – e também o povo me acolheu. A esperança de Abrão e da sua descendência realizou-se no mistério que celebramos em Jesus, o Filho que Deus Pai não poupou, mas ofereceu para a salvação de todos: pela sua morte e ressurreição, Ele abriu-nos a passagem para a terra prometida, para uma nova vida onde as lágrimas são enxugadas, as feridas curadas, os irmãos reconciliados.
Queridos irmãos e irmãs, louvemos a Deus por esta visita histórica e continuemos a rezar por aquela Terra e pelo Médio Oriente. No Iraque, apesar do fragor da destruição e das armas, as palmeiras, símbolo do país e da sua esperança, continuaram a crescer e a dar frutos. É assim a fraternidade: como o fruto das palmeiras, não faz barulho, mas é fecunda e faz crescer. Deus, que é paz, conceda um futuro de fraternidade ao Iraque, ao Médio Oriente e ao mundo inteiro!