Publicado em: 11/02/2022 19:13:00
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Na última catequese, estimulados ainda pela figura de São José, refletimos sobre o significado da comunhão dos santos. E precisamente a partir disto, hoje gostaria de aprofundar a devoção especial que o povo cristão sempre teve por São José como padroeiro da boa morte. Uma devoção nascida do pensamento de que José morreu com a ajuda da Virgem Maria e de Jesus, antes que ele deixasse a casa de Nazaré. Não há dados históricos, mas visto que já não se vê José na vida pública, pensa-se que tenha morrido ali em Nazaré, com a família. E a acompanharam-no à morte Jesus e Maria.
O Papa Bento XV, há um século, escreveu que «através de José vamos diretamente a Maria, e através de Maria à origem de toda a santidade, que é Jesus». Quer José quer Maria ajudam-nos a ir a Jesus. E encorajando práticas piedosas em honra de São José, recomendou uma em particular, que dizia assim: «Dado que Ele é merecidamente considerado como o mais eficaz protetor dos moribundos, tendo expirado com a ajuda de Jesus e Maria, será preocupação dos Pastores sagrados inculcar e encorajar [...] aquelas piedosas confrarias que foram instituídas para implorar José em nome dos moribundos, como as “da Boa Morte”, do “Trânsito de São José” e “pelos Agonizantes”» (Motu proprio Bonum sane, 25 de julho de 1920): eram as associações da época.
Amados irmãos e irmãs, talvez algumas pessoas pensem que esta linguagem e este tema sejam apenas uma herança do passado, mas na realidade a nossa relação com a morte nunca diz respeito ao passado, é sempre presente. O Papa Bento dizia, há alguns dias, falando sobre si mesmo que “está diante da porta obscura da morte”. É bom agradecer ao Papa Bento que com 95 anos tem a lucidez de nos dizer isto: “Estou diante da obscuridade da morte, à porta obscura da morte”. Um bom conselho que nos deu! A chamada cultura do “bem-estar” procura remover a realidade da morte, mas de uma forma dramática a pandemia do coronavírus voltou a colocá-la em evidência. Foi terrível: a morte estava em toda a parte, e muitos irmãos e irmãs perderam entes queridos sem poderem estar ao lado deles, e isto tornou a morte ainda mais difícil de aceitar e de elaborar. Uma enfermeira contou-me que uma avó com Covid estava a morrer e disse-lhe: “gostaria de me despedir dos meus entes queridos antes de ir embora”. E a enfermeira, corajosa, pegou no telemóvel e fez a ligação. A ternura daquela despedida...
Não obstante isto, procuramos de todas as maneiras banir o pensamento da nossa finitude, iludindo-nos assim a pensar que podemos retirar o poder da morte e afastar o temor. Mas a fé cristã não é uma forma de exorcizar o medo da morte, pelo contrário, ajuda-nos a enfrentá-la. Mais cedo ou mais tarde, todos nós iremos àquela porta.
A verdadeira luz que ilumina o mistério da morte provém da ressurreição de Cristo. Eis a luz. E São Paulo escreve: «Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição de mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé (1 Cor 15, 12-14). Há uma certeza: Cristo ressuscitou, Cristo ressurgiu, Cristo está vivo no meio de nós. E esta é a luz que nos espera por detrás da porta obscura da morte.
Prezados irmãos e irmãs, é apenas através da fé na ressurreição que podemos olhar para o abismo da morte sem nos deixarmos dominar pelo medo. Não só: mas também podemos atribuir à morte um papel positivo. De facto, pensar na morte, iluminada pelo mistério de Cristo, ajuda-nos a olhar para toda a vida com olhos novos. Nunca vi atrás de um carro fúnebre uma carrinha de mudanças! Atrás de um carro fúnebre: nunca vi. Iremos sozinhos, sem nada nos bolsos da mortalha: nada. Pois a mortalha não tem bolsos. Esta solidão da morte: é verdade, nunca vi atrás de um carro fúnebre uma carrinha de mudanças. Não tem sentido acumular se um dia morreremos. O que precisamos de acumular é caridade, a capacidade de partilhar, a capacidade de não ficar indiferentes às necessidades dos demais. Ou, de que serve discutir com um irmão, uma irmã, um amigo, um membro da família, ou um irmão ou irmã na fé, se um dia morreremos? De que serve enraivecer-se, zangar-se com os outros? Perante a morte, tantas questões são redimensionadas. É bom morrer reconciliado, sem deixar ressentimentos e sem arrependimentos! Gostaria de dizer uma verdade: todos nós estamos a caminho rumo àquela porta, todos.
O Evangelho diz-nos que a morte vem como um ladrão, assim diz Jesus: chega como um ladrão, e por muito que procuremos manter a sua chegada sob controlo, talvez mesmo planeando a própria morte, ela continua a ser um acontecimento com o qual temos de nos confrontar e perante o qual também temos de fazer escolhas.
Para nós cristãos permanecem firmes duas considerações. A primeira é que não podemos evitar a morte, e é precisamente por esta razão que, depois de ter feito tudo o que era humanamente possível para curar a pessoa doente, é imoral envolver-se numa obstinação terapêutica (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2278). Aquela frase do povo fiel de Deus, das pessoas simples: “Deixai-o morrer em paz”, “ajudai-o a morrer em paz”: quanta sabedoria! A segunda consideração diz respeito à qualidade da própria morte, a qualidade da dor, do sofrimento. De facto, devemos estar gratos por toda a ajuda que a medicina procura dar, para que através das chamadas “curas paliativas”, cada pessoa que se está a preparar para viver a última parte da sua vida o possa fazer da forma mais humana possível. Contudo, devemos ter o cuidado de não confundir esta ajuda com desvios inaceitáveis que levam a matar. Devemos acompanhar as pessoas até à morte, mas não provocar a morte nem ajudar qualquer forma de suicídio. Saliento que o direito a cuidados e tratamentos para todos deve ser sempre uma prioridade, de modo a que os mais débeis, particularmente os idosos e os doentes, nunca sejam descartados. A vida é um direito, não a morte, que deve ser acolhida, não administrada. E este princípio ético diz respeito a todos, e não apenas aos cristãos ou crentes. Mas eu gostaria de sublinhar aqui um problema social, mas real. Aquele “planificar” – não sei se esta é a palavra certa – mas acelerar a morte dos idosos. Muitas vezes vemos numa certa classe social que os idosos, por não terem os meios, recebem menos medicamentos do que necessitariam, e isto é desumano: isto não os está a ajudar, está a empurrá-los mais depressa para a morte. Isto não é humano nem cristão. Os idosos devem ser tratados como um tesouro da humanidade: eles são a nossa sabedoria. Mesmo que não falem, e se não tem um sentido, todavia são o símbolo da sabedoria humana. São aqueles que nos precederam e nos deixaram tantas coisas boas, tantas recordações, tanta sabedoria. Por favor, não isoleis os idosos, não apresseis a morte dos idosos. Acariciar um idoso tem a mesma esperança que acariciar uma criança, pois o início e o fim da vida é sempre um mistério, um mistério que deve ser respeitado, acompanhado, cuidado, amado.
Que São José nos ajude a viver o mistério da morte da melhor maneira possível. Para um cristão, a boa morte é uma experiência da misericórdia de Deus, que se aproxima de nós, até naquele último momento da nossa vida. Também na oração da Ave-Maria, pedimos a Nossa Senhora para estar perto de nós “na hora da nossa morte”. Precisamente por esta razão, gostaria de concluir esta catequese rezando juntos a Nossa Senhora pelos moribundos, por quantos estão a viver este momento de passagem por aquela porta obscura, e pelos familiares que estão a viver o luto. Rezemos juntos:
Ave Maria...